Áreas Temáticas e Membros do Comitê

Jairo Elicio Tocancipa Falla, Universidad del Cauca
Sergio Coronado, Centro de Investigación y Educación Popular, CINEP

A vitória eleitoral de Gustavo Petro e Francia Márquez em 2022 marca a primeira vez que os colombianos elegem um esquerdista para presidente e uma mulher afro-colombiana para vice-presidente. Aproveitando uma onda de descontentamento social em massa e de protestos contra a desigualdade e a política “costumeira”, Petro e Márquez enfatizaram a justiça social, a igualdade racial, a proteção ambiental e a consolidação da paz. Apesar dos desafios persistentes e dos novos, a sua vitória encoraja os colombianos a imaginar um novo futuro para o seu país.
 
Com a política de “paz total”, Petro e Márquez buscam cumprir as promessas do acordo de paz de 2016 assinado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e chegar a novos acordos com outros grupos armados como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a organização de narcotráfico Clan del Golfo. No entanto, a Colômbia continua a ser um país em conflito, com grupos armados envolvidos em novas formas de violência, massacres contínuos no campo e assassinatos seletivos de líderes comunitários. Neste contexto difícil, o país continua a debater a forma de reparação pelas queixas das vítimas do conflito, a questão de saber que memórias são importantes e como escrever uma história de décadas de violência.
 
Neste contexto de altas expectativas, a Colômbia se depara com outros desafios novos e antigos. Persistem profundas desigualdades socioeconômicas e a exclusão racial e étnica. Diversos grupos armados e organizações de tráfico de drogas continuam a operar em todo o país. A Colômbia, como muitos outros países, também vem lutando para enfrentar os profundos desafios ambientais do nosso tempo, incluindo a transição para uma economia sem carbono, as ameaças à biodiversidade, o desflorestamento e a contaminação das águas. Com 80% da população vivendo em zonas urbanas, as cidades colombianas desempenham um papel fundamental na resolução de muitos destes desafios, desde a melhoria dos transportes e da infraestrutura às políticas específicas de combate ao crime e à violência. A Colômbia também se vê confrontada com um afluxo maciço de pessoas provenientes da vizinha Venezuela e de redes de contrabando que transportam migrantes de todo o mundo através do norte do país no seu caminho rumo ao norte.
 
Em meio a estes desafios, os movimentos sociais colombianos mantiveram-se vibrantes apesar de anos de violência enraizada do Estado, dos paramilitares e dos insurgentes. As organizações de direitos humanos, os movimentos LGBTQI, as federações de camponeses e os movimentos sociais urbanos estão ativamente envolvidos na vida política da Colômbia. São especialmente dignos de nota os movimentos sociais indígenas e afro colombianos da Colômbia, os quais têm desempenhado um papel fundamental ao realçar as formas como a violência tem afetado as suas comunidades, bem como os padrões históricos de marginalização e exclusão pelos quais exigem reparação. Outra tendência positiva é o florescimento da produção cultural na Colômbia, que amplia as ricas tradições do país em matéria de literatura e artes visuais. As artes visuais e outras formas de produção cultural contribuem de maneira significativa para os debates atuais sobre o passado recente do país e para os esforços de consolidação da paz. Os grupos historicamente sub-representados são cada vez mais visíveis na produção artística e cultural do país.
 
Esta área temática convida à apresentação de propostas de acadêmicos, estudantes, líderes comunitários e ativistas de qualquer perspectiva disciplinar ou transdisciplinar que abordem os desafios atuais enfrentados pela Colômbia, bem como debates contemporâneos na história, na literatura e nas artes. Como a administração de Petro está moldando a Colômbia? Como o centro e a direita reagem a estas mudanças? Quais são as perspectivas de ampliar e aprofundar os avanços do processo de paz com as FARC? Como as mudanças no ambiente de conflito e criminalidade afetam a vida dos colombianos? Como os movimentos sociais e o governo tentam responder às preocupações dos afro-colombianos, das comunidades indígenas e de outros grupos historicamente marginalizados? Quais são os principais desafios ambientais enfrentados pela Colômbia e como os colombianos lidam com eles? Quais são os principais desafios urbanos que a Colômbia enfrenta e que políticas os governos e as comunidades urbanas adotam em resposta? Qual o papel desempenhado pelas ciências sociais e pelas humanidades na Colômbia pós-conflito, particularmente em relação às questões de como escrever a narrativa do passado recente e como ensinar o passado recente nas escolas e universidades? O que está acontecendo atualmente com os movimentos sociais da Colômbia? Que novas direções estão emergindo na produção cultural da Colômbia? Como a produção cultural é apoiada e como as diferentes formas de apoio moldam o conteúdo e o significado das artes na Colômbia?

Giovanni Batz, University of California, Santa Barbara
Alejandro Diez Hurtado, Pontificia Universidad Católica del Perú

Em contraste com as reformas agrárias que ocorreram em vários países da América Latina no século passado, uma das características do capitalismo tardio na região é atualmente a acumulação de terras, quer para culturas, quer para a prospecção e exploração mineira e de hidrocarbonetos, conseguida através do deslocamento, muitas vezes violento, de comunidades indígenas e rurais dos seus territórios. Embora os povos indígenas representem 4% da população mundial, eles são responsáveis por um terço de todos os defensores do meio ambiente mortos em todo o mundo. Os conflitos relacionados às indústrias extrativas e às invasões de terras são uma das principais causas de violência contra as comunidades indígenas e rurais. Entre 2017 e 2021, registraram-se 2109 casos de comunidades afetadas por indústrias extrativas e atividades associadas no Peru, na Colômbia, no México, na Guatemala e em Honduras. A situação mais crítica é na Colômbia, onde 117 líderes indígenas foram assassinados entre 2012 e 2020. No México e na América Central, as comunidades indígenas e rurais foram despojadas das suas terras pelas indústrias extrativas, bem como por grandes projetos hidroelétricos e agroindustriais, enquanto os ativistas ambientais e os líderes comunitários foram criminalizados e assassinados. Diante disso, há importantes exemplos de resistência, como o de Máxima Acuña, de Cajamarca, no Peru, que lidera uma luta gigantesca contra o projeto mineiro Yanacocha, a fim de impedir o seu avanço para territórios lagunares e também para evitar que as suas terras sejam expropriadas. No caso colombiano, a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, de 2011, é uma tentativa de proporcionar uma reparação abrangente às famílias que perderam entes queridos, foram despojadas das suas terras e deslocadas das suas comunidades.

Por sua vez, crescem as economias ilícitas, que também produzem expulsões e desapropriação de terras e territórios em grande parte do continente americano. A violência dos traficantes de madeira, drogas e pessoas faz parte de um cotidiano raramente visto, mas que obriga, sobretudo, as comunidades indígenas a abandonar os seus locais de origem. O avanço destas economias ilegais agrava outros problemas, como as alterações climáticas, que geram o deslocamento e a mobilidade das pessoas devido a fenômenos ambientais como deslizamentos de terras, secas e contaminação de solos e pessoas. Na Colômbia, a expropriação foi causada também pelo avanço da guerrilha e do exército, pelos grupos paramilitares e pelo tráfico de drogas, bem como por fenômenos naturais. No Peru, a exploração mineira ilegal provocou o desmatamento e a expropriação; a contaminação por hidrocarbonetos provocou também o isolamento e a organização de certos grupos, principalmente indígenas, na luta pelos seus direitos. É igualmente importante refletir sobre a produção em grande escala de monoculturas, como a do óleo de palma, que provocou o desmatamento e a expropriação de terras na América Central, na Colômbia, na Bolívia, no Brasil, no México e no Peru.

Esta área temática especial convida à apresentação de propostas por parte de acadêmicos e ativistas que pesquisem e/ou trabalhem sobre a questão do deslocamento e expropriação das populações indígenas e rurais das suas terras e territórios, e as resistências coletivas que têm surgido para se opor a esta violência. Que efeitos tem o capitalismo tardio sobre as comunidades indígenas e rurais nas Américas de hoje? Como compreender a teia de atores que procuram controlar os recursos naturais, incluindo poderosas empresas transnacionais, grupos criminosos violentos e autoridades corruptas? Como compreender estas dinâmicas de deslocamento e expropriação, de perdas e mundos em ruínas, que consolidam as hegemonias de certos grupos de poder, ao mesmo tempo que subordinam e silenciam outros? Como as comunidades se organizam em face a esta violência?

Ben Cowan, University of California, San Diego
Camila Rocha, Universidade de São Paulo

O ressurgimento da direita na América Latina é paralelo a dinâmicas que se desenrolam em outras partes do mundo, da Turquia à Hungria, passando pelos Estados Unidos. Grupos ultraconservadores que se insurgem contra a “ideologia de gênero” e ao “marxismo cultural” e promovem visões polarizadas de “nós” contra “eles” ganharam força na política institucional, bem como a nível social. Embora existam inspirações globais para a ascensão da extrema direita latino-americana, trata-se também de um fenômeno muito próprio, uma resposta a desenvolvimentos históricos recentes, como a ascensão dos governos da “Maré Rosa”, e que se inspira em legados coloniais mais antigos do cristianismo, do patriarcado e de conceitos racializados tais como a hispanidade.
 
A atual política de direita, personificada pelo Presidente de El Salvador, Nayib Bukele, pelo ex-Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e pelos também candidatos na Colômbia e no Chile, Rodolfo Hernández e José Antonio Kast, tem uma retórica marcadamente populista e putativamente antielitista. Estes líderes são experientes nas redes sociais, envolvem-se em políticas culturais revanchistas e têm uma boa rede de contatos internacionais. Embora participem em eleições democráticas e sejam muitas vezes bem-sucedidos, carecem geralmente de um compromisso sério com as normas e instituições democráticas e, uma vez no poder, utilizam frequentemente as instituições democráticas para concentrá-lo e enfraquecer a democracia a partir do seu interior, estando estreitamente aliados aos militares e, por vezes, a grupos paramilitares, para promover a sua pauta. A direita também tem promovido uma abordagem política de “guerra cultural”, por exemplo, através da adoção da chamada ideologia de gênero, que afirma que as reformas que beneficiam as mulheres e as pessoas LGBTQI, como os direitos reprodutivos e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, são o resultado de um sistema de crenças imposto que ameaça os “valores cristãos” e corrompe a sociedade.
 
Esta área temática especial convida à apresentação de propostas que abordem a “nova” direita latino-americana a partir de múltiplas perspectivas disciplinares para nos ajudar a compreender melhor a natureza, os objetivos e o impacto da direita contemporânea nas suas manifestações políticas, econômicas, sociais e culturais. O que impulsiona o aumento das ideologias e dos movimentos políticos de direita nas Américas? Que tipos de ameaças a extrema direita representa para a democracia e para uma compreensão mais ampla dos direitos na região? Que papel desempenham os laços internacionais no apoio à direita nas Américas e como esses laços impulsionam a política de direita? Como a direita se expressa hoje na cultura e em que medida o ativismo cultural e social é importante para a direita? Que papel desempenham os laços com os militares e os grupos paramilitares na promoção da pauta da direita?

Amy Ross, University of Georgia

Nos sistemas baseados no Estado de direito, há um conjunto de regras e normas codificadas na lei; todas as pessoas estão sujeitas e são iguais perante a lei; e existe um sistema judicial independente para defender a lei e investigar e processar as violações à lei. Nos sistemas baseados na impunidade, não há punição — nem expetativa de punição — para crimes graves, incluindo violações aos direitos humanos, corrupção em larga escala e uso arbitrário do poder do Estado. A impunidade é o exercício do poder sem responsabilização. Sem responsabilização, a arbitrariedade torna-se a norma, o espaço para a sociedade civil diminui e a corrupção e as redes criminosas florescem.
 
Esta área temática busca llamar la atención sobre el persistente problema de la impunidad y la debilidad del Estado de derecho en América Latina. A pesar de que América Latina ha logrado importantes avances importantes en la rendición de cuentas para los ex jefes de Estado y otros altos oficiales por delitos graves, como la gran corrupción, el abuso de autoridad y los crímenes contra la humanidad, la impunidad sigue siendo una característica central de la vida en gran parte de la región. Además, en muchos países el sistema legal se está convirtiendo en una herramienta utilizada por élites poderosos para atacar e inmovilizar a individuos y grupos que trabajan por un cambio social progresista, una práctica a menudo denominada guerra jurídica (lawfare). Esto incluye a activistas medioambientales, líderes indígenas y afrodescendientes, periodistas y defensores de los derechos humanos. En algunos países, estas tácticas se están desplegando también contra operadores judiciales independientes.
 
A persistência da impunidade também apresenta desafios fundamentais para a abordagem da violência e do crime organizado atuais na América Latina. Em toda a região, existe uma impunidade quase total em relação à violência baseada no gênero e aos feminicídios; à violência policial, especialmente contra as populações indígenas e afrodescendentes racializadas; bem como ao crime organizado, incluindo crimes do colarinho branco, como o enorme escândalo de corrupção da Odebrecht. A impunidade gera mais violência, mais corrupção e mais crime organizado.
 
Esta área temática convida acadêmicos, profissionais e ativistas a apresentarem propostas que explorem tanto o problema duradouro da impunidade nas Américas quanto os esforços para combater a impunidade e consolidar o Estado de Direito, tanto no passado como no presente. Estamos particularmente interessados em propostas que explorem as ligações entre o crime e a impunidade no passado e no presente.

Carmen Ilizarbe Pizarro, Pontificia Universidad Católica del Perú
Claudia Heiss, Universidad de Chile

A partir da história política e da teoria pós-colonial, autores como James Scott, Ranajit Guha e Gayatri Spivak conceituaram e descreveram formas de resistência em face a diferentes opressões e violências. Estas práticas de resistência assumem diferentes formas e envolvem a participação de grupos não pertencentes aos centros e às dinâmicas de poder, mas que constroem a sua agência e o seu poder de agência como modos de ação capazes de imaginar uma mudança no significado das coisas.

Nos últimos anos, têm se produzido uma série de explosões sociais em diferentes países da América Latina, especialmente nos do Sul. Estes grandes protestos colocam na pauta do dia questões importantes, como o fato de as transições para a democracia não terem sido completas. A explosão social no Chile em 2019, por exemplo, questionou o sistema político e econômico herdado de Pinochet, resumido no slogan "não são 30 pesos, são 30 anos". Na Colômbia, as mobilizações sociais que eclodiram em 2021 em resposta às reformas econômicas também evoluíram para críticas ao descumprimento dos acordos de paz e aos atores da guerra, bem como a um sistema político que exclui as populações indígenas e afro-americanas. No Peru, desde dezembro de 2022, têm ocorrido grandes manifestações em diferentes regiões no sentido de exigir-se uma maior representação indígena na tomada de decisões nacionais. Nestes e noutros casos, podemos ver como as mulheres, os jovens, as crianças em idade escolar e os povos indígenas imaginam a possibilidade de mudar as formas de se fazer política a fim de obterem uma maior representação política, bem como dignidade e bem-estar para si próprios e para as suas comunidades.

Vislumbram-se outras formas de resistência coletiva nas Américas. O movimento feminista tem realizado mobilizações criativas para denunciar o feminicídio e a violência sexual e garantir os direitos reprodutivos das mulheres. Diante da impunidade paralisante da prática do desaparecimento forçado, as mães em busca no México e as mães dos falsos positivos na Colômbia empreenderam as suas próprias buscas, desenvolvendo conhecimentos e competências para encontrar vestígios dos seus familiares desaparecidos, desafiando assim o poder do Estado e as narrativas hegemônicas e negacionistas sobre a prática do desaparecimento forçado. Em 2022, houve uma série de greves no Panamá devido ao aumento do custo da cesta básica, dos medicamentos e da gasolina, em que várias organizações sindicais e indígenas importantes se juntaram para fazer pressão por um diálogo que teve resultados importantes para os cidadãos. O povo mapuche da Argentina e do Chile mantém os seus conhecimentos para ensinar às novas gerações os seus territórios e costumes. Como compreender estas práticas? O que nos dizem sobre os sistemas políticos latino-americanos? Como nos ajudam a pensar coletivamente em outras formas de governo?

Esta área temática convida acadêmicos e ativistas a apresentarem propostas que descrevam e analisem diferentes formas de resistência coletiva latino-americanas que nos ajudem a compreender como se relacionam e desafiam o poder hegemônico e como contribuem para pensar coletivamente, para imaginar — e construir — futuros compartilhados.